Os anos 1960 foram o auge do pensamento “automobilista” em São Paulo. Em maio de 1969, o então prefeito Paulo Maluf anunciou várias obras viárias para ajudar no escoamento do tráfego na cidade, incluindo novas ruas e avenidas, assim como o alargamento e/ou prolongamento de outras. Uma dessas obras era o prolongamento da Rua São Carlos do Pinhal até a Rua da Consolação. Até então, a São Carlos do Pinhal terminava na Rua Itapeva, não chegando à Nove de Julho, quanto mais a cruzando. Como os técnicos da Prefeitura constataram que o custo das desapropriações seria exorbitante, devido ao alto preço dos imóveis do bairro, optou-se por alcançar a Rua da Consolação por meio de um acesso à Rua Antônio Carlos, do outro lado da Avenida Nove de Julho.
A obra visava a combater os congestionamentos na Avenida Paulista, oferecendo uma rota paralela, da mesma maneira como as alamedas Santos e Jaú já funcionavam. Ambicioso, o projeto previa um viaduto sobre a Nove de Julho, além de uma extensão do outro lado da avenida, para alcançar a Rua Antônio Carlos, rasgando o quarteirão que era, então, formado pela Avenida Paulista, pela Alameda Ministro Rocha Azevedo e pelas ruas Antônio Carlos e Peixoto Gomide. Seriam necessárias desapropriações de casas e terrenos no trecho entre a Rua Itapeva e a Avenida Nove de Julho, assim como nas ruas Peixoto Gomide e Engenheiro Monlevade.
O projeto inicial, divulgado pela Prefeitura em julho e orçado em três milhões de cruzeiros, era de uma via com 420 metros de comprimento, dezesseis metros de largura (sendo onze metros de via carroçável) e quatro faixas de rolamento, com um viaduto na altura do mirante do Túnel Nove de Julho. Ele já teria mão única, mas, curiosamente, no sentido oposto ao que tem hoje: da Rua Consolação para a Avenida Brigadeiro Luís Antônio. Em novembro, foi determinada pelo prefeito Paulo Maluf a abertura de concorrência pública para a construção do viaduto.
As obras já tinham-se iniciado em 1970, causando muitas dores de cabeça ao trânsito, especialmente combinadas com as obras do Viaduto Doutor Plínio de Queirós, na Praça 14-Bis. Em março, a previsão era de entrega do prolongamento da São Carlos do Pinhal em dezembro. O problema é que as obras tiveram de ser interrompidas em setembro, pois a Prefeitura optou por rescindir o contrato, para supostamente economizar cerca de 1,8 milhão de cruzeiros — àquela altura, o orçamento do projeto já era de 5,5 milhões de cruzeiros. Técnicos da Secretaria de Obras teriam verificado que a construção de uma galeria no viaduto não era necessária.
A nova previsão de conclusão ficou para maio de 1971, mas, nesse mês, ainda não havia sido marcada a data definitiva de entrega da obra, pois a Divisão de Engenharia do Detran ainda estava fazendo uma contagem dos veículos que trafegavam por toda a região, para poder definir o novo esquema de circulação. Apenas no início de junho é que a Rua Peixoto Gomide foi interditada, a princípio por cem dias, para que as obras do viaduto fossem terminadas. O trecho fechado foi entre as ruas Antônio Carlos e Carlos Comenale.
O mês de julho trouxe uma novidade ao viaduto, que nada tinha a ver com as obras: ele ganhou um nome, Bernardino Tranchesi, em homenagem a um professor de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, morto naquele ano. A classe médica paulistana já vinha querendo dar o nome do médico à Rua Itapeva, onde até hoje há vários consultórios médicos, e a Prefeitura atendeu parcialmente o pedido, dando o nome dele ao viaduto, que já estava pronto, faltando apenas sua ligação com a Rua Antônio Carlos, por sob a Rua Peixoto Gomide.
Com 81 metros de altura (um a mais que o vão livre do MASP), seu vão era o mais alto já construído em São Paulo até então. Os técnicos da Croce, Aflalo e Gasperini tinham como objetivo respeitar as características paisagísticas do local, porém receberam críticas por ele não ter sido alcançado, já que o viaduto interferia no projeto do Túnel Nove de Julho.
O tal prazo de cem dias anunciado em junho já tinha expirado, e o prefeito, agora Figueiredo Ferraz, fez nova visita às obras em 13 de outubro. Irritado, ele escreveu no livro de ocorrências: “Estive em visita às obras. Verifiquei falta de planejamento na construção e ritmo muito lento. Não encontrei o engenheiro responsável. Espero que esta construção se modifique.”
Apesar dessa cobrança, apenas em dezembro é que o complexo seria, finalmente, inaugurado. Chega a soar inocente a descrição dos resultados para o trânsito, publicada na Folha de S. Paulo em 10 de dezembro:
Até agora, a Alameda Santos é a única via auxiliar da Paulista, dividindo com ela o tráfego dos carros que da Consalçao vão para o Paraíso. No sentido inverso, pela inexistência de uma via secundária, a Avenida Paulista apresenta sempre problemas de trânsito, principalmente nas horas do “rush”. Tais problemas deverão acabar agora, com a inauguração do complexo Viaduto São Carlos do Pinhal/Galeria Peixoto Gomide.
Como ainda faltava o asfaltamento do trecho entre o viaduto e a Rua Antônio Carlos e do topo da galeria da Rua Peixoto Gomide, a previsão dada foi de que tudo seria entregue até o dia 20. Não foi nenhuma surpresa, claro, quando a Folha noticiou, no dia 23: “Viaduto da Pinhal, dia 30”. Mais alguns dias se passaram, e o prazo mudou de novo, desta vez para 8 de janeiro de 1972, sob a alegação de que a iluminação não ficaria pronta a tempo. Como a família de Tranchesi já tinha publicado um anúncio conclamando “os seus amigos” a uma cerimônia de inauguração no dia 30, esta foi mantida, até porque a gestão Figueiredo Ferraz tinha abolido solenidades nas inaugurações de obras.
Seria de se imaginar que, após tantos adiamentos, a nova data prevista finalmente seria respeitada, mas não foi isso que aconteceu. O novo motivo alegado foi a falta de segurança nas grades laterais, constatada pelo próprio prefeito, cujo escritório tinha sido responsável pelos cálculos técnicos da obra, antes de ele assumir o cargo. “É preferível atrasar a obra, mas entregá-la com segurança total ao tráfego”, disse Figueiredo Ferraz. Isso também segurava o novo plano viário para a região, que, segundo o Detran, não poderia ser completado enquanto o viaduto não fosse liberado para o tráfego. Inicialmente, falou-se em uma semana de atraso, mas esse prazo acabaria sendo estendido para mais de um mês.
Finalmente, em 9 de fevereiro, Figueiredo Ferraz vistoriou o local e aprovou sua abertura, no dia seguinte. Também foi incorporado um anel na Praça Geremia Lunardelli, permitindo que os carros no sentido bairro da Nove de Julho pudessem fazer o retorno antes de atingir o túnel, subindo pela Rua Engenheiro Monlevade e descendo pela Rua Professor Picarolo.
Com a inauguração, algumas ruas da região deveriam ter ficado já com a mão de direção parecida com a que têm hoje, como a Ministro Rocha Azevedo e a Itapeva (a única diferença na Itapeva seria que o trecho entre a Carlos Comenale e a Paulista não tinha mão dupla, como tem hoje). A Pamplona tornar-se-ia mão única a partir de seu início, embora da Alameda Ribeirão Preto até a Avenida Paulista ela ainda tivesse mão dupla. Já a São Carlos do Pinhal, que tinha mão única da Brigadeiro à Pamplona e mão dupla no trecho entre as ruas Pamplona e Itapeva, passaria a ter mão única em toda a sua extensão.
Por algum motivo que não consegui encontrar, a inauguração do sistema foi feita sem as alterações previstas nas mãos de direção das ruas próximas. Assim, mesmo com um agente de trânsito destacado para a esquina das ruas Antônio Carlos e Frei Caneca (onde os carros dos outros três sentidos tinham obrigatoriamente de descer a segunda rua), o tráfego ficou complicado ali. Sim, alcançar a Rua da Consolação pela Antônio Carlos ainda não era possível, pois ela tornava-se contramão na esquina com a Rua Frei Caneca. Assim, os motoristas eram obrigados a descer a Frei Caneca, junto com os carros que já desciam essa rua e os que vinham do outro sentido da Antônio Carlos.
Quem quisesse seguir rumo à Rua da Consolação tinha de, depois de entrar na Frei Caneca, virar à esquerda na Rua Matias Aires, para só então seguir caminho. Isso gerou reclamações de alguns especialistas em trânsito, que consideravam que o ideal seria ter estendido o complexo por mais cem metros, alcançando diretamente a Matias Aires. Esses especialistas davam preferência a essa opção mesmo com a eventual mudança de mão na Antônio Carlos, pois, ao contrário desta, a Matias Aires permitia também uma ligação quase direta com a Avenida Angélica, por meio da Rua Maceió.
E havia outros problemas, como a ausência de semáforo na esquina das ruas Matias Aires e Augusta, que causava um “gargalo”, pois a travessia era difícil, devido ao grande volume de carros na Augusta. As valetas para escoamento de águas pluviais, nos cruzamentos com as ruas Bela Cintra e Haddock Lobo, também geravam dificuldades para os motoristas, que tinham de reduzir bastante a velocidade para vencê-las. Essas esquinas já tinham semáforos, mas, por causa das valetas, o número de carros que podiam cruzá-las a cada sinal verde era muito baixo.
Por causa de tudo isso, os críticos do sistema diziam que a nova via auxiliar desafogaria muito pouco o congestionado trânsito da Avenida Paulista. A situação só começou a ser corrigida em 1 de junho, quando a Prefeitura implantou uma série de mudanças de mão de direção de ruas na região toda, incluindo tornar toda a Rua Antônio Carlos mão única do viaduto para a Rua da Consolação. Ainda assim, quem pretendia alcançar a Avenida Angélica deveria seguir virando na Frei Caneca, para seguir caminho pela Matias Aires.
Mais tarde — não consegui determinar quando, mas foi em algum ponto entre 1972 e 1974 —, a Prefeitura inverteu os sentidos da Rua São Carlos do Pinhal e da Alameda Santos, que passaram a correr inversamente às respectivas pistas mais próximas da Avenida Paulista. Essa mudança não foi bem aceita por motoristas e até por engenheiros. Segundo eles, o trânsito tinha piorado nas duas vias. Devido a essa pressão, em janeiro de 1976, as mãos foram invertidas novamente.
No mesmo pacote, foi incluída a implantação de mão única no sentido atual na Alameda Jaú e na Rua Teixeira da Silva, assim como nas ruas Maria Figueiredo (no sentido Tutoia–Paulista) e Carlos Sampaio (no sentido Paulista–Treze de Maio). Estas duas últimas teriam, no futuro, seus sentidos alterados.
Excelente artigo. É muito interessante andar pelo viaduto à noite. Não sei por que, mas me remete a algo meio futurista-distópico. Uma pena realmente que tenha interferido – negativamente, na minha opinião – no conjunto do túnel 9 de Julho, tão judiado por este e outros projetos e também pela falta de manutenção e desinteresse da população.
E as valetas nas esquinas da Haddock Lobo e da Bela Cintra estão lá até hoje… tanto na Antônio Carlos como na Matias Aires.