A inauguração da Avenida Eusébio Matoso

Entardecer na Avenida Eusébio Matoso

Entardecer na Avenida Eusébio Matoso, em 22 de junho de 2007. Foto: Alexandre Giesbrecht/Flickr

Quem olha para um mapa da Avenida Rebouças com atenção percebe que ela é praticamente reta do início ao fim, especialmente no trecho entre a Avenida Brasil e a Marginal do Rio Pinheiros. Mesmo no trecho entre a Avenida Faria Lima e a Marginal, de pista única, a Rebouças permanece reta, seguindo a mesma linha do trecho anterior. Nem sempre foi assim, pois a Avenida Eusébio Matoso, que parte em ângulo da esquina com a Faria Lima também rumo ao outro lado da Marginal (a Eusébio Matoso chega até a Avenida Vital Brasil), um dia já foi parte da Rebouças.

A atual Eusébio Matoso foi aberta com base num ato municipal de 15 de abril de 1937: “Nos termos do parágrafo único do artigo 790 do Ato 663, de 10/8/1934, aprovado o alinhamento da Avenida Rebouças entre a Rua Iguatemi e a praça circular formada na intersecção da Avenida Vital Brasil e Rua do Butantã.” Segundo o historiador Ralph Mennucci Giesbrecht, “antes disso, ali não havia nada, e a avenida somente pôde ser construída após a retificação do rio Pinheiros naquele ponto”.

Ao doar o terreno, o advogado e empresário Eusébio Matoso foi um dos principais responsáveis pela extensão da Rebouças, que, ao menos de acordo com o vereador Francisco Assunção Ladeira, teria custado pouco ou nada à Prefeitura. “A avenida, executada em condições excepcionais para a Municipalidade, que, não despendendo nenhum real em grandes áreas expropriadas, conseguiu ver realizada a construção dessa grande artéria”, discursaria o vereador, em 1950. Ele referia-se ao trecho entre a Faria Lima (na época, ainda Rua Iguatemi) e a Vital Brasil.

Morto em 1940, Matoso seria homenageado como patrono do trecho que tinha incentivado a ser construído em 15 de outubro de 1948, quando o mesmo vereador Ladeira apresentaria um projeto de lei sugerindo a mudança de nome. O projeto viraria lei em 4 de maio de 1950, e a avenida ganhou o novo nome em uma solenidade em 11 de junho, aniversário de dez anos da morte de Matoso, a que compareceram “numerosos amigos, admiradores e colegas do homenageado, inclusive grande número de senhoras da nossa melhor sociedade”, conforme descrito por O Estado de S. Paulo. Um dos presentes listados pelo mesmo jornal, o professor Valdemar Ferreira, viraria nome de uma avenida que hoje faz esquina com a Eusébio Matoso, no Butantã.

A Avenida Eusébio Matoso, em 1979. Foto: Ralph Giesbrecht

A Avenida Eusébio Matoso, em 1979, com o Shopping Eldorado em construção. Foto: Ralph Giesbrecht

Foi nessa ocasião que o vereador Ladeira discursou, exaltando os feitos do homenageado:

A medida foi das mais justas, homenageando-se o advogado, o homem que se dedicou à causa pública, promovendo realizações novas, planos audaciosos que beneficiaram a cidade onde viveu: a nossa cidade. Quero deixar de lado a maioria das realizações de Eusébio Matoso, para referir-me tão-somente a dois empreendimentos relacionados com esta solenidade, que foram resultantes em grande parte da sua tenacidade de homem de ação. Quero referir-me à construção da Avenida Rebouças e ao Hipódromo de Cidade Jardim.

Quando ele se referiu “à construção da Avenida Rebouças”, provavelmente estava falando do alargamento e asfaltamento da avenida, ocorrido em meados dos anos 1930, além da construção, na mesma época, do trecho que estava sendo rebatizado naquele dia, pois a avenida propriamente dita tinha sido aberta em 1916, quando Eusébio Matoso ainda não tinha completado nem vinte anos de idade.

O Hipódromo de Cidade Jardim, claro, é o Jockey Club de São Paulo. Quando de sua morte, a única menção nos jornais O Estado de S. PauloFolha da Manhã foi na seção de turfe do primeiro:

A diretoria do Jockey Club de São Paulo […] resolveu render [a Eusébio Matoso] as homenagens do Jockey Club, a que ele fez jus como um dos grande obreiros do empreendimento do novo hipódromo, consubstanciando essas homenagens na presença da diretoria aos funerais e exéquias e num donativo do Jockey Club ao Orfanato Cristóvão Colombo, em memória do doutor Eusébio de Queirós Matoso.

Além de Ladeira, o jurista Henrique Bayma também discursou, lembrando que o pai de Eusébio Matoso, que tinha o mesmo nome, já tinha sido homenageado com um nome de rua — “Creio que nas proximidades de Osasco”, disse —, embora eu não tenha conseguido achá-la em nenhuma mapa atual. Ele lembrou da doação que permitiu que a Avenida Rebouças fosse estendida:

Seu exemplar espírito público levou-o a cometimentos e iniciativas, como a notável obra de urbanização que se irradia desta avenida, cujo leito, em uma extensão de quilômetros, foi por ele doado, pois quando outros usam apreçar com demarcada ambição a própria fazenda, Eusébio dava com largueza da sua.

Por fim, discursou um parente do homenageado, Eusébio Porchat de Queirós Matoso, cujo parentesco (filho? sobrinho?) não ficou claro na reportagem do Estadão:

Em nome da família de Eusébio de Queirós Matoso, venho agradecer a homenagem que São Paulo presta à sua memória, dando seu nome a esta avenida, para cuja abertura ele tanto concorreu, com o seu entusiasmo, com o seu dinamismo, a sua energia e a sua confiança no futuro da nossa cidade.

Toda a cerimônia, incluindo o descerramento de uma placa de bronze em homenagem a Eusébio Matoso, foi realizada em frente ao palacete de Olavo de Castilho, que ficava no número 3346 da Rebouças (altura da esquina com a Rua Iguatemi). “Os salões da nobre mansão regurgitaram-se de elementos da mais destacada sociedade paulista”, escreveu O Estado, para um aperitivo oferecido pelo anfitrião.

Após esta pesquisa, sobraram duas dúvidas:

  1. O que teria acontecido com a placa de bronze? Não me lembro de nenhuma placa por ali, embora ela possa estar escondida, isso sem falar na possibilidade de minha memória estar-me traindo
  2. Quando a atual extensão de pista única da Avenida Rebouças foi aberta/rebatizada? Como a Eusébio Matoso era uma extensão da Rebouças até 1950, presume-se que o trecho em questão tivesse outro nome ou simplesmente não existisse ainda.
O arborizado trecho de pista única da Avenida Rebouças. Foto: Alexandre Giesbrecht/Flickr

O arborizado trecho de pista única da Avenida Rebouças. Foto: Alexandre Giesbrecht/Flickr

Alexandre Giesbrecht

Nascido em 1976, Alexandre Giesbrecht é publicitário. Pesquisa sobre a história do futebol desde os anos 1990 e sobre a história da cidade de São Paulo desde a década seguinte. Autor dos livros São Paulo Campeão Brasileiro 1977 e São Paulo Campeão da Libertadores 1992, já teve textos publicados em veículos como Placar e Trivela.

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