Antes de o Viaduto da Lapa ser construído, o cruzamento das linhas da Sorocabana e da Santos–Jundiaí era feito por meio de passagem de nível, na mesma altura das linhas. A proposta foi do vereador Ermano Marchetti, e o projeto, apresentado em 1951, era de um viaduto que seria o maior já construído pela Prefeitura até então. A obra iniciou-se em 1956 e, após muitos atrasos, inclusive com a paralisação da obra, só foi inaugurada em 22 de junho de 1960.
Mais de quatro anos depois, ele ainda era apresentado como uma novidade no bairro. Aliás, novidade e chamariz. Pelo anúncio abaixo, presume-se que a área compreendida como “a única e natura expansão da Lapa comercial e industrial” seja toda a área entre a Rua William Speers (paralela às linhas da atual CPTM) e a Marginal Tietê, da Ponte do Piqueri até as proximidades da Avenida Santa Marina. E com a Avenida do Emissário no meio, antes de ela ganhar o nome do vereador Ermano Marchetti, citado no parágrafo anterior.
Em uma década em que o concreto ainda era tratado como “progresso”, não é de surpreender que o viaduto seguisse sendo considerado um atrativo para imóveis lançados na área. Em 1969, por exemplo: o Central Parque Lapa foi anunciado, já depois de pronto com a chamada “É só atravessar o Viaduto da Lapa”. Isso mostra o quão deserto eram aquelas bandas. Tão desertas, aliás, que o mapa do anúncio abaixo chama de “Avenida Ermano Marchetti” o que, na verdade, é a Praça Jácomo Zanella. É possível que tenha sido um descuido de quem desenhou o mapa, simplificando a localização, para (intencionalmente ou não) dar a impressão de que o condomínio ficaria próximo à avenida, quando, na verdade, ele fica a um quarteirão dela — não confundir com o condomínio Residencial Park Lapinha, que é parecido e fica na esquina da praça com a Ermano Marchetti.
(Parêntese: este não é o único erro do mapa. Mesmo sem escala, ele chama de “Largo da Lapa” o que provavelmente é a Praça Melvim Jones — o Largo da Lapa fica do outro lado da ferrovia, na confluência das ruas Félix Guilhem e Engenheiro Aubertin. Além disso, ele mostra a Rua Doze de Outubro como saindo do pseudo Largo da Lapa, junto com a Rua Doutor Cincinato Pamponet, quando, na verdade, uma é continuação da outra, após um “cotovelo”.)
O curioso dos dois anúncios é que nenhuma das duas estações Lapa que ali existiam — e ainda existem — aparecia nos mapas, mesmo com a linha férrea servindo como referência. Naquele tempo, os trens de subúrbio (a atual malha da CPTM) já estavam em decadência e não serviriam como atrativo para o público-alvo dos anúncios. O viaduto, sim.
Mas o que era um atrativo não demoraria para se tornar um estorvo. Quando assumiu a Prefeitura, em 1986, uma das primeiras medidas de Jânio Quadros foi solicitar um estudo sobre a duplicação do viaduto, algo que tinha prometido quando em campanha. Para isso, a largura da estrutura seria aumentada em cerca de sete metros.
O Central Parque Lapa, claro, foi o prédio mais impactado pela obra, tanto é que, em 25 de junho, um protesto de moradores do local conseguiu impedir os trabalhos. Além da perda de vagas, devido ao recuo da calçada da Rua Aristides Viadana, eles reclamavam que o barulho aumentaria e ficaria mais próximo das janelas do condomínio. “Não somos nem poderíamos ser contra a ampliação do viaduto”, disse um dos moradores. “Queremos apenas nossos direitos ao conforto e à segurança.”
Segundo os moradores, representantes da Prefeitura teriam feito a promessa de manter uma distância mínima de dezesseis metros entre os prédios e o viaduto, porém ela não foi cumprida, e a distância mínima acabou diminuída para cinco metros — ou 7,5 metros, na versão da Prefeitura, que alegou “necessidade de dar prioridade à ampliação do viaduto, em função das vantagens e benefícios que resultarão para a coletividade”.
É de se imaginar se o viaduto teria sido duplicado caso outro projeto da Prefeitura, de 1974, tivesse saído do papel. Em 7 de fevereiro de 1974, a Folha de S. Paulo publicou reportagem em que a prefeitura prometia construir, até outubro, quatro parques na cidade. Um deles seria na Lapa.
O terreno, “na esquina da Rua Guaicurus e do Viaduto da Lapa”, certamente é o que hoje abriga o Terminal Lapa de ônibus, algo óbvio, já que ele pertencia à antiga CMTC. Não sei se chegou a ser construído: encontrei uma única referência a um parque no local (ou próximo), em uma matéria sobre atividades culturais publicada na Folha de S. Paulo de 28 de novembro de 1975: “Neste fim de semana, a partir das 15 horas, a programação será desenvolvida no parque situado ao lado do Viaduto da Lapa.”
A Prefeitura, entretanto, já previa um terminal de ônibus ali desde, pelo menos, 1980, conforme anúncio publicado na página 13 da Folha de 25 de outubro daquele ano: “Implantação de terminal de ônibus para atendimento da Lapa de cima, na Rua Guaicurus, entre a estação [da] Fepasa e o Viaduto da Lapa, prevendo-se futura integração com o Metrô.” Esse terminal seria aberto em dezembro de 2003, junto com o corredor de ônibus entre o centro e Pirituba, mas até hoje não tem integração com o Metrô (que nunca chegou até ali) e nem mesmo com as duas estações vizinhas da atual CPTM.
Uma pergunta, qual dos dois condomínios central park da Lapa foi fundado primeiro? O de quatro pavimentos ou o de 16?