Como o Metrô poderia ter sido

Mapas do Metrô publicados na revista Acrópole número 390

Mapas do Metrô publicados na revista Acrópole número 390

Fiquei sabendo que a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) disponibilizou o acervo da revista Acrópole, publicada entre 1938 e 1971. Esse acervo será, também, de grande valia para os artigos aqui do Histórias Paulistanas, assim como já o são os dos jornais O Estado de S. PauloFolha de S. Paulo, regularmente. Minha primeira navegada foi exploratória e, consequentemente, aleatória. Na última edição publicada, encontrei a preciosidade acima, que mostra como o Metrô estava planejando suas estações em 1971, quando a construção da atual Linha 1-Azul já estava em andamento.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a lista de estações da primeira linha que entrou em funcionamento. Além do ramal de Moema, que acabou por não ser construído, várias das estações mudaram de nome quando da inauguração, em 1974:

  • Cruzeiro virou Tietê e, mais tarde, Portuguesa-Tietê.
  • Ponte Pequena manteve o nome por mais de uma década, mas teve-o mudado para Armênia em 11 de novembro de 1985.
  • Politécnica virou Tiradentes.
  • Clóvis é a atual Sé.
  • Aclimação mudou de nome para Vergueiro.

Esse, claro, é o mapa com os nomes mais legíveis, mas o mapa à esquerda é mais interessante, por mostrar como seriam as três primeiras linhas do Metrô, se os planos originais tivessem sido seguidos à risca. A linha em “V” é o embrião da atual Linha 3-Vermelha. Vale lembrar que, naquele início de anos 1970, ainda não estava definido qual seria o traçado dessa linha, tanto é que em 1976, por exemplo, ainda se debatia qual seria o percurso para oeste.

Os planos originais incluíam chegar à Casa Verde, como se vê pelas duas estações mais a oeste: a autoexplicativa Casa Verde e Emissário, que provavelmente ficava na Avenida Marquês de São Vicente, que passa sobre o Córrego do Emissário. Depois, as estações têm praticamente os mesmos nomes que as que acabaram construídas, ao menos até o Brás, o que não significa que o traçado fosse exatamente o mesmo ou que as estações ficassem exatamente no mesmo lugar originalmente previsto. As duas exceções são Conselheiro Brotero, que nunca saiu do papel, e Duque de Caxias, provavelmente a atual Estação Santa Cecília.

A Estação D. Pedro II deveria fazer a integração entre as linhas Leste–Oeste e Sudeste–Sudoeste (cujo tramo sudoeste seria o embrião da atual Linha 4-Amarela). Quando a estação foi erguida, foram construídos o leito de linha e as plataformas dessa integração, que lá permanecem até hoje, sendo usados como depósito. É possível vê-los no vão central do térreo da estação, assim como as escadas de acesso, devidamente bloqueadas. Curiosamente, a Estação D. Pedro II teria companhia, na Linha Sudeste–Sudoeste, da Estação D. Pedro I, provavelmente prevista para a avenida homônima.

Plataforma "fantasma" na Estação Pedro II

Plataforma “fantasma” na Estação Pedro II

Nota-se, também, que a atual Linha 2-Verde já estava planejada de uma maneira muito parecida com o que foi efetivamente construído, embora sem o que viria a ser o tramo leste, entre Chácara Klabin e Vila Prudente e com duas estações a mais. Essas duas estações seriam Osvaldo Cruz, provavelmente na praça homônima, e Araçá ou Bandeiras (uma das duas — ou as duas — deu lugar à Estação Sumaré). Justamente devido ao nome da Estação Araçá, é de se supor que a Estação Clínicas estivesse projetada para ficar em um lugar mais próximo da Avenida Paulista. Originalmente planejada para ser apenas um ramal, ganhou o status de linha em maio de 1974, quando o Metrô a classificou como “prioridade”. Entretanto, ainda levaria quase duas décadas para ela finalmente ser inaugurada.

Já a Linha 4-Amarela guarda apenas uma vaga semelhança com o projeto original do tramo sudoeste da Linha Sudeste–Sudoeste: as integrações na Luz e na República, e a integração com a atual Linha 2 nas proximidades com a Paulista — a integração, hoje, é com a Estação Consolação, enquanto no projeto divulgado na Acrópole era na Estação Clínicas, que, como explanei acima, possivelmente ficaria num lugar diferente do atual. Fora isso, o único nome de estação que foi mantido é Pinheiros, e é muito provável que isso se deva à Estação Pinheiros da Estrada de Ferro Sorocabana, que ficava mais próxima da Ponte Eusébio Matoso do que a atual, construída no fim dos anos 1970.

Há ainda, pouco visível, um ramal na direção da Moóca, que servia como destino alternativo de alguns trens da Linha Sudeste–Sudoeste, que se dividiria na Estação Pedro II, rumo a Vila Bertioga. Eu nunca tinha ouvido falar desse ramal até contemplar esse mapa.

O ramal de Moema está representado nos dois mapas, pois ele faria parte da Linha Norte–Sul, e sairia da Estação Paraíso (na verdade, os trens viriam desde a Estação Santana, alternando-se com os trens que seguiriam até o Jabaquara) e percorreria três estações, ao longo de seus 2,3 quilômetros de extensão: Tutoia, Ibirapuera e Moema. Seu projeto contemplava duas possibilidades: subterrâneo ou elevado, tanto é que a Estação Paraíso havia sido projetada para atender a ambas as possibilidades.  No início de 1971, entretanto, foi definido que o ramal seria elevado. A construção da Estação Paraíso começaria em agosto, dentro do “trecho 5” da construção da linha. O ramal de Moema constituía o “trecho 11”.

Àquela altura, previa-se a inauguração do Metrô no trecho entre Liberdade e Jabaquara para 1973, com o ramal de Moema passando a operar em 1974 e o restante da linha (Santana–Liberdade), a partir de 1975. Mas, na verdade, ele já estava com os dias contados. Em 17 de janeiro de 1971, o Estadão já havia informado que “este ramal foi praticamente abandonado pela atual diretoria do Metrô”. Faltava, aparentemente, apenas uma confirmação por parte da prefeitura, o que saiu quase junto com a edição 390 de Acrópole, que continha o mapa do início do texto: em 23 de novembro daquele 1971, o prefeito Figueiredo Ferraz comunicou que tinha desistido da construção do ramal. Sua justificativa foi o fato de a região que ele atenderia já ser “bem servida” pelo transporte público e, assim, ele poderia destinar os recursos para estender a Linha Norte–Sul até o Mandaqui.

A ideia do ramal chegou a ser ressuscitada alguns anos depois, como numa reportagem publicada pel’O Estado em 1974: “O ramal de Moema, cujos planos foram abandonados há algum tempo, poderá vir a ser construído no futuro.” Esse futuro nunca chegou, assim como não chegou para o ramal de Guarulhos citado na mesma reportagem.

Alexandre Giesbrecht

Nascido em 1976, Alexandre Giesbrecht é publicitário. Pesquisa sobre a história do futebol desde os anos 1990 e sobre a história da cidade de São Paulo desde a década seguinte. Autor dos livros São Paulo Campeão Brasileiro 1977 e São Paulo Campeão da Libertadores 1992, já teve textos publicados em veículos como Placar e Trivela.

Você pode gostar também de...

9 respostas

  1. Thiago Medeiros disse:

    Matéria muito legal! Vale destacar que o ramal Paraíso teve um pequeno trecho construído, que pode ser visto pela janela do trem entre as estações Vergueiro e Paraíso. A própria estação Paraíso tem em seu piso, no nível Linha 1 – Tucuruvi, resquícios do que seria a plataforma do ramal, inclusive com a faixa amarela.

    República também foi construída pensando-se na integração com a Linha 4 – Amarela, e também tinha “plataformas fantasmas”. Contudo, devido ao processo construtivo da Linha 4, que usou um Shield EPB no trecho (o mega-tatuzão), eles acabaram precisando demolir a plataforma central de República (Linha 4) para permitir a passagem da máquina, e deixaram a plataforma apenas com acessos laterais.

    • Alexandre Giesbrecht disse:

      Eu queria ter incluído uma foto do piso da Estação Paraíso no texto, mas aí eu teria de segurá-lo por mais uns dias. Ainda pretendo adicionar. Tenho também um texto começado sobre a República, este com várias fotos da época da construção. Mas ainda vai demorar um pouco para publicá-lo.

  2. Eduardo Ganança disse:

    Alexandre, eu sou aluno da FAUUSP e fiz uma série de textos no Blog ViaTrolebus comentando esses planos antigos para o Metro. Na biblioteca da faculdade (de acesso público) existem tanto os dois volumes do estudo HMD (de onde saíram esses mapas do post) quanto o Anteprojeto de 1956, um estudo anterior que definiu as primeiras diretrizes do traçado. Vale a pena consultá-los ;)

    Abraço

    • Alexandre Giesbrecht disse:

      Oi, Eduardo. Certamente vale! A única coisa que me desanima é que foram tantos planos ao longo dos anos, com tantas mudanças, que é difícil até focalizar em um ou mais deles, porque não se sabe qual ou quais foram, de fato, levados a sério, ainda que por pouco tempo. O noticiário dos grandes jornais sobre os projetos do Metrô mudava ao sabor do vento, provavelmente por culpa tanto do Metrô como dos repórteres, e isso ficou bem claro quando voltaram a falar sobre o ramal de Moema, poucos meses após o Figueiredo Ferraz anunciar que ele não seria mais construído.

      O Anteprojeto de 1956 é, provavelmente, um dos documentos mais confiáveis de todos os planos até a efetiva construção do Metrô. Até tenho a curiosidade de consultá-lo, mas acho que ele é técnico demais para mim, um mero contador de histórias. :)

  3. Sergio Massaro disse:

    Caro Alexandre
    Adoro seus textos, embora não seja assíduo leitor; conheci seus pais nos velhos uspianos tempos…nessa época morei com colegas (algo como as famosas “repúblicas”) na região da Teodoro Sampaio; eram os anos finais da década de 1960 e o metrô fez sondagens no eixo da Teodoro. Acredito haver planos da época, que acabaram não se realizando, para o eixo sudoeste: a minha memória diz que a partir da estação República as outras eram Maria Antônia (junto da esquina com a Consolação), Consolação (junto do cemitério ou talvez um pouco mais perto da Paulista), Clínicas (mais ou menos no lugar da atual, talvez um pouco mais para o lado da Av. Rebouças, pois a linha, depois de vir do centro pela Rua da Consolação, defletiria para oeste sob a Av. Dr. Arnaldo e então seguiria a diretriz da Teodoro Sampaio). A então projetada estação Clinicas deveria servir às duas linhas (creio que uma em cima da outra) que hoje levam os números 2 e 4. A estação Pinheiros, como então proposta, ficaria junto ao Largo de Pinheiros e o terminal Jóquei Clube perto do início da Av. Francisco Morato. Não me lembro de (naquela época) haver plano de integrar tal linha com o trem que corria pela margem do Rio Pinheiros. Já o “ramal paulista” para oeste das Clínicas teria a estação Araçá (essa sim, creio eu, ficaria perto da atual Sumaré), Bandeiras ( o bairro do começo da Av. Heitor Penteado era o “Jardim das Bandeiras”, não sei se ainda é …) e o terminal Vila Madalena.

    • Alexandre Giesbrecht disse:

      Obrigado pelo comentário, Sergio. Assim como todas as linhas, estas também devem ter tido vários projetos ao longo dos anos de estudo. E talvez não houvesse, mesmo, o plano de integrar com a atual Linha 9-Esmeralda, até porque ela era muito pouco utilizada nos anos 1970, com estações espaçadas (muitas delas apenas paradas, que foram desativadas em algum ponto daquela década) e um péssimo serviço. Com tantas ferrovias fechando já naquela época, era bem possível que muitos imaginassem que esse seria o destino da linha. Felizmente, não foi.

  4. Sergio Massaro disse:

    Alexandre. Dois dias atrás a Agencia Estado noticiou para outubro o início da implantação do BRT da Radial Leste. Fui ver detalhes no site da prefeitura e me surpreendi com a intenção de incorporar a parte subterrânea da estação Pedro II do metrô como parte de uma longa conexão subterrânea para trazer o corredor da Avenida Alcântara Machado até o existente terminal de ônibus do Pq.D.Pedro II. Achei legal ! ! ! Vale a pena dar uma olhada no projeto!
    Sergio

  5. Arnaldo F disse:

    Belo texto, Alexandre (idem os comentários).

    Ouso fazer um comentário paralelo, mas minimamente pertinente ao tema “projetando o metrô paulistano”.

    Consta que, ao privilegiar o trecho Sé / Jabaquara como primeira linha a ser implantada, os projetistas da Prefeitura tinham a intenção de direcionar grande parte do crescimento da cidade para o eixo do espigão central (a colina divisora de águas da região).

    Até por isso optou-se em transformar as estreitas vias que partiam do Paraíso em uma larga e contínua avenida que corria em direção ao sul – ocasionando um dos maiores bota-abaixo do país nos bairros do Paraíso, Vila Mariana e Saúde.

    Minha preocupação com o tema é: até que ponto tal estratégia de planejamento foi vitoriosa?

    Não há dúvida que a Linha 1 Azul jamais teve características de subutilização.

    Mas o fato é que o crescimento da cidade (notadamente dos polos corporativos) nos anos 1970/80 ignorou o eixo metroviário – e pode-se mesmo dizer que fugiu dele.

    Nas citadas décadas de 1970/80, da Avenida Paulista (tocada apenas de leve pela estação Paraíso) o crescimento se espraiou pelos Jardins e Pinheiros na direção da Faria Lima / Marginal de Pinheiros e dali rumou para o sul, seja nos bairros de Ibirapuera, Indianópolis, Moema, Brooklin e Santo Amato (residencial) seja na Berrini, Vila Olímpia, Nova Faria Lima e Marginal Pinheiros (corporativo).

    A postura deliberada – e absolutamente bem sucedida – de Carlos Brakte em criar o novo polo corporativo da cidade na Berrini, sem qualquer preocupação com o sistema metroviário então em implantação (na verdade, bem longe dele), é sintomática dessa questão.

    E isso, notem bem, em plena crise da mobilidade paulistana, com congestionamentos crescentes entupindo ruas e avenidas.

    O metrô deveria ser um imã irresistível para os empreendedores.

    Mas não foi (o caso da nova sede do Itaú na Conceição é tão isolado quanto notável).

    Os vazios criados pelo bota-abaixo do metrô nas “novas” avenidas Vergueiro e Domingos de Morais (entre as estações Paraíso e Santa Cruz, principalmente) permaneceram por anos e anos subutilizados, e mesmo hoje não apresentam grande adensamento, nem de longe imitando a ocupação explosiva da Berrini e da Nova Faria Lima.

    Fico pensando se a reação negativa dos moradores de Higienópolis à projetada chegada do metrô no bairro não é bem mais do que simples “mimimi” elitista.

    É como se os setores mais dinâmicos da cidade não quisessem a proximidade do metrô e sistematicamente procurassem se instalar o mais distante possível dele.

    No mínimo, o ignoram completamente.

    Será isso mesmo?

  6. Antonio disse:

    Excelente post!
    Uma pena que este plano não foi realizado, pois meu bairro (Vila Maria) até hoje não tem metrô.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *