Quem acreditou na chamada deste anúncio, publicado na página 39 da edição de 19 de abril de 1953 d’O Estado de S. Paulo, não deve ter-se dado muito bem, afinal a região da Rua Aurora estava a poucos anos de ver iniciada sua acelerada degradação. Assim, mesmo sendo “a um passo de tudo”, repassar o apartamento adquirido obtendo a prometida valorização passaria a não ser nada fácil. O “novo centro comercial e elegante de São Paulo” deixou de ser considerado elegante, e as “boites” citadas não eram as que por lá proliferam hoje e que não têm boa fama. As estações rodoviárias próximas praticamente sumiriam, poucos anos mais tarde, com a construção da estação rodoviária da Praça Júlio Prestes, mas ao menos esta ainda era na região, garantindo um pouco da promessa. As estações ferroviárias também não saíram de onde estão até hoje, porém nas décadas seguintes sofreram um processo de degradação talvez ainda mais acelerado.
Chama ainda a atenção o expediente citado para “contribuir para as despesas de administração e manutenção do condomínio”: os apartamentos 202 e 212 teriam como proprietários todos os condôminos, e seu aluguel garantiria a cobertura desses custos — ou ao menos parte deles. Difícil saber se essa experiência deu certo. O prédio foi construído, embora não se pareça muito (pelo menos não em sua forma atual) com o desenho do anúncio. Não deixa de ser curioso notar que, na foto do Google Street View, há uma pessoa dormindo na entrada de uma das lojas do térreo.
Anúncios exaltando a “valorização” dos imóveis que estavam sendo construídos eram muito comuns. Um outro bom exemplo é o do anúncio abaixo, publicado na edição de 21 de setembro de 1952 d’O Estado de S. Paulo, informando que o local onde o Edifício Lang seria erguido estava “predestinado à mais alta valorização”.
O comprador atraído pela chamada “Localização 100% excelente” que porventura ainda esteja vivo e siga dono de um apartamento no Edifício Lang certamente arrependeu-se. Nos fundos do prédio, menos de vinte anos após sua construção, foi erguido o Elevado Costa e Silva, o famoso Minhocão, que ainda calhou de ter uma saída desembocando a poucos metros. Mas, mesmo que essa aberração viária não tivesse sido cometida, a Praça da República, o Largo do Arouche e a Avenida São João acabariam por deixar de ser chamarizes para investimentos imobiliários. Isso sem falar que a maioria das “casas de modas, confeitarias de luxo, lojas de presente e salões de beleza” saíram dali, para um novo “ponto para onde se deslocou o comércio fino da cidade”.
Mas nem todos os anúncios alardeando a suposta valorização eram de empreendimentos que fariam seus compradores arrepender-se depois. Veja só que grande investimento representava “o lar próprio que é ao mesmo tempo um patrimônio em constante valorização”, na edição de 15 de novembro de 1953 do Estadão: “Quando Vossa Senhoria dá o sinal de entrada, seu apartamento já está automaticamente valendo muito mais!” Como resistir?
Existe hoje, no local indicado no mapa acima, um prédio de nome “Edifício Embaixador”. Entretanto, ele não tem nada a ver com o desenho do anúncio, nem em termos de acabamento nem em termos de formato. A localização é considerada “aristocrática”, um adjetivo que, pelo que temos visto em outros exemplos aqui publicados, era dos mais usados nos anos 1950. Mas o anúncio ia além. Como o do Jardim Leonor (“onde pontifica a fidalguia”), aqui o local é “cercado de nobres residências, onde a tradição de aristocracia é uma permanente realidade”. Os adjetivos hoje são diferentes, até por vivermos uma época mais politicamente correta, mas é inegável que essa região ainda é muito valorizada.
Já o bairro do Morumbi é menos valorizado, mas ainda é considerado um bairro nobre, creio eu. Não sei se isso já era previsto antes da urbanização do bairro, mas o anúncio abaixo, publicado na Folha de S. Paulo de 4 de setembro de 1960, dava a devida atenção à valorização que o bairro teria após a inauguração do Estádio Cícero Pompeu de Toledo: “V. sabe o que [a inauguração do estádio] significa como valorização: é o mesmo que se deu com o Pacaembu, mas em ritmo 1960.” Não fica muito claro no que o “ritmo 1960” difere do “ritmo 1940”, mas é de se supor que seja mais acelerado.
Se hoje o Jardim Leonor só é visto em mapas e em comentários jocosos de rivais, na época ele era um nome “aristocrático” — de novo, tempos pré-politicamente correto. E anúncios como o acima serviam para explicar por quê. Ele fazia parte de uma série, que tinha, por exemplo, este anúncio, qualificando o bairro como um “paraíso escolar para as crianças”, simplesmente por causa da Escola Pio XII, que já funcionava desde 1957.
O anúncio destacado aqui cita a inauguração do estádio, dali a pouco menos de um mês, com depoimento do então presidente do São Paulo Futebol Clube, Laudo Natel. De suas poucas frases, destaca-se esta: “E próximo do centro, com todo o conforto da cidade.” Além da citação da “cidade” como sendo o centro, costume que se vem perdendo nas últimas décadas, é curioso descrever o Morumbi como um estádio “próximo do centro”. Provavelmente não o era em 1960 e certamente não o é em 2014. E o acesso por transporte público não melhorou muito nesse mais de meio século: o Metrô ainda não chegou lá e, talvez no ano que vem, chegará a mais de um quilômetro dali, mas, ainda assim, levará o nome do clube.
E não para por aí. O anúncio enaltece a presença do Hospital Infantil (o atual Hospital Infantil Darcy Vargas, na Avenida Comendador Adibo Ares) e da Universidade Conde Francisco Matarazzo, que estava em “fase final de construção”. Você talvez nunca tenha ouvido falar dessa universidade, mas certamente já passou em frente ao prédio em questão: é o atual Palácio dos Bandeirantes, originalmente construído para abrigar o centro de ensino. Problemas financeiros fizeram a obra se estender por anos, até ser desapropriada pelo governo do estado, em 1964.
Voltando à questão da valorização, os anos 1950 eram uma espécie de pré-história da bolha imobiliária, por assim dizer. Os apartamentos serviam para morar, mas também para lucrar no futuro! Era o caso deste apartamento aqui, na Rua Brasílio Machado, apresentado na Folha de S. Paulo de 17 de outubro de 1954: “Faça um bom negócio ao adquirir um belíssimo e confortável apartamento no melhor ponto de valorização.”
Um pouco mais abaixo, a proximidade com a Praça Marechal Deodoro era destacada. Afinal, ela era um aprazível local, na época. O que os compradores não tinham como saber é que a praça em questão não sobreviveria por muito tempo. Ao menos não bela como costumava ser: a construção do Minhocão — olha ele aí novamente! —, uma década e meia depois, acabou com ela. Hoje, a praça não é mais citada em anúncios de empreendimentos imobiliários. No máximo, sua estação de metrô.
Você deve ter notado que a “valorização” era sempre genérica nos anúncios acima listados, mas às vezes ela era até quantificada! Não sei o quanto há de verdade na chamada deste anúncio, que saiu no Estadão de 17 de outubro de 1954, mas ela garantia que quem comprasse “agora” um apartamento no Edifício Marisa, na Vila Mariana, teria nada menos que “25% de lucros garantidos”. Garantidos em contrato? Duvido.
Bom, não se pode dizer que o que se dizia ali era mentira. Afinal, era apenas baseado no presente daquela época. Porém, quem poderia adivinhar que todos esses lugares iriam passar pelo que passaram?