O Bella Center de São Paulo

Fachada do Bella Center de São Paulo

Fachada do Bella Center de São Paulo

Um dos prédios mais estranhos de São Paulo está localizado na Avenida Nove de Julho, no lado dos Jardins, próximo ao túnel. Ele é vizinho do Edifício Devisate, já retratado aqui, que fica na esquina da avenida com a Alameda Itu. Em sua fachada e mesmo nas laterais, há poucas janelas e muitos tijolos propositalmente aparentes, que formam alguns desenhos geométricos. Em um letreiro razoavelmente novo, lê-se “Bella Center de São Paulo”.

O Bella Center foi criado em 1962, como um instituto de estética feminina, praticamente um clube, que trazia como missão, em seu estatuto, “proporcionar às suas associadas, em sua sede social, em ambiente de conforto e elevado padrão de tratamento, os mais diversos departamentos: de beleza, de fisioterapia, de dietética, de educação física, sociabilidade de boas maneiras”. Quando de sua fundação, entretanto, o clube ainda não tinha a sede social mencionada no estatuto, que viria a ser, mais tarde, o já citado prédio da Nove de julho.

Não consegui descobrir quando a sede social começou a ser erguida, mas no final de 1963 a Folha de S. Paulo publicou matéria no caderno “Folha Feminina” de 29 de dezembro, dizendo que ele já estava “em fase de construção”:

O edifício-sede do Bella Center — já em fase de construção — ergue-se à Avenida Nove de Julho e centralizará, nos seus onze andares, salão de físio e hidroterapia, salões de festas e desfiles de moda, salas de ginástica, massagens, repouso e jogos, playground e berçário para os filhos das associadas, além de elegantes restaurante e bar, salas de chá, música, biblioteca etc.

Passou-se todo o ano de 1964, e o edifício seguia em construção em março de 1965. Mas uma notinha publicada no caderno “Ilustrada”, também da Folha, em 2 de março, fazia parecer que tudo estava correndo bem: “Prossegue aceleradamente o ritmo de construção do ‘Bella Center’ de São Paulo, um clube situado na Avenida Nove de Julho exclusivamente para mulheres.”

Lateral do Bella Center de São Paulo

Lateral do Bella Center de São Paulo

Nesse meio-tempo, o Bella Center também falava do lançamento de um “seguro de beleza”, descrito assim pela Folha de S. Paulo em 1965: “O Bella Center, junto com uma companhia de seguros, lançará, pela primeira vez entre nós, o seguro de beleza. Trata-se de um seguro de vida especial com cláusula que cobre todas as despesas de operação plástica em caso de acidente que torne [a operação] necessária.”

Mas a inauguração, mesmo, aparentemente não foi estampada nas páginas dos dois principais jornais da cidade. Possivelmente, ela deu-se no início de 1968, a se julgar por pequena nota publicada na coluna de Tavares de Miranda, na Folha, em 5 de dezembro de 1967: “Daisy Fonseca Rebello [está] movimentando os cordéis da inauguração do Bella Center, clube onde homem não tem vez.” Já um anúncio publicado dois dias antes no Estadão trazia o endereço da Nove de Julho como o do clube — dando o Túnel Nove de Julho como referência, mas explica que o prédio ainda estava em construção:

(Aliás, você sabe onde fica o número 2.901 da Avenida Nove de Julho?) Pertinho do túnel. Ali é o edifício próprio do Bella Center — o único clube 100% feminino de toda a América do Sul. O prédio está em construção acelerada, mas o clube já está em grande atividade. Venha fazer-nos uma visita, das 14 às 20 horas. Você vai conhecer, inclusive, maiores detalhes sobre alguns serviços especiais que o Bella Center oferece: convênios com lojas, médicos, dentistas etc.

Percebeu o “construção acelerada”? Quase três anos após aquela notinha na “Ilustrada”, a construção ainda estava acelerada, mas o prédio, relativamente baixo, ainda não estava pronto. Uma semana depois, entretanto, novo anúncio no Estadão avisava que, “num grande edifício construído a propósito”, as sócias encontrariam “cabelereiros, manicure, pedicure, institutos de beleza, desfiles de moda, palestras sobre etiqueta, cursos, fisioterapia completa etc.”. Nada mais sobre a construção, acelerada ou não.

Em 1973, pelo menos, ele estava pronto, como atesta o anúncio abaixo, publicado n’O Estado em 22 de novembro: “Doze andares prontinhos, exclusivamente dedicados à beleza e ao conforto da mulher moderna.”

Anúncio do Bella Center em 22 de novembro de 1973

Anúncio do Bella Center em 22 de novembro de 1973

No restante dos anos 1970, as referências ao clube estavam praticamente todas nas seções de teatro dos jornais, devido a espetáculos no Teatro Bella Center, também localizado no prédio. Contudo, no início da década seguinte, o clube passou a aparecer no noticiário com problemas jurídicos, incluindo processos no Procon. Reportagem do Estadão, em 20 de janeiro de 1983, demonstrava a situação:

O prédio, localizado no número 2.901 da Avenida Nove de Julho, é um bom exemplo da deterioração do empreendimento, iniciado com o apoio de pessoas de destaque na vida social da cidade e que, aos poucos, foi-se afastando de seus objetivos. Localizado próximo ao túnel, tem as paredes cobertas de fuligem, que invadem também os dois terraços que deveriam ser usados como solário pelas associadas. Um dos terraços, na verdade, está totalmente abandonado, enquanto o outro exibe equipamentos precários e sem nenhuma manutenção. O mesmo acontece com a lanchonete, localizada nesse andar, arrendada por particulares que cobram preços acima da tabela normal.

Não existem saídas de emergência, e a escada é totalmente forrada de carpete, que também cobre as paredes do único elevador em funcionamento. Em um dos pavimentos, uma pequena porta de ferro, fechada apenas com a ajuda de um fio de plástico, abre-se para o nada — isto é, para um poço que vai dar direto aos subterrâneos do edifício. Lá está localizada a garagem, que há muito deixou de ser utilizada pelas clientes do Bella Center, passando a servir como guarda-móveis da família de Eduardo Lutfalla e como depósito de equipamentos estragados, segundo denunciam as associadas.

O andar destinado ao salão social, onde se deveriam realizar cursos, palestras, desfiles e outras atividades previstas pelo estatuto, foi ocupado pelos escritórios do administrador e de seu advogado, que trabalham a portas fechadas, não permitindo a presença de nenhuma das sócias do instituto sem autorização prévia. (…) O ambiente insalubre também é facilmente identificado nos locais reservados para sauna, piscina e banho turco, onde predomina um forte mau cheiro. Nos banheiros, não existem ralos e muitas instalações não funcionam, acontecendo o mesmo no setor reservado para tratamentos de beleza.

O Bella Center de São Paulo

O Bella Center de São Paulo

Não consegui mais detalhes sobre os imbróglios, mas editais de notificação publicados em jornais entre 1987 e 1988 eram assinados por um administrador judicial.

Visitei o térreo do prédio, onde funcionam dois salões de cabeleireiros, e conversei com algumas pessoas que lá estavam. Aparentemente, apenas o terceiro andar do prédio funciona, embora não quisessem me dizer o que funciona ali. Perguntei se o prédio já havia sido a sede de um clube feminino.  “Ainda é”, responderam. Se realmente é, a fachada intimidadora e o estado lúgubre da portaria em nada indicavam isso. Ninguém quis dar mais detalhes sobre o prédio. “Podem não gostar”, justificaram, claramente incomodados pelas minhas (poucas) perguntas.

E a sede do Bella Center de São Paulo segue misteriosa em plena Avenida Nove de Julho.

Portão lateral do Bella Center de São Paulo

Portão lateral do Bella Center de São Paulo

Alexandre Giesbrecht

Nascido em 1976, Alexandre Giesbrecht é publicitário. Pesquisa sobre a história do futebol desde os anos 1990 e sobre a história da cidade de São Paulo desde a década seguinte. Autor dos livros São Paulo Campeão Brasileiro 1977 e São Paulo Campeão da Libertadores 1992, já teve textos publicados em veículos como Placar e Trivela.

Você pode gostar também de...

9 respostas

  1. roberta disse:

    Excelente texto :-)

  2. Amanda disse:

    Olá, Alexandre! Segui um link para um post do blog no facebook e cá estou aqui devorando os posts. Seu blog é uma feliz descoberta! Sempre tive curiosidade em relação ao Bella Center nos três anos pelos quais passei por sua frente. Ao googlear o edifício em busca de mais informações, achei esse recente edital atestando a penhora do edifício: http://www.jusbrasil.com.br/diarios/69781721/djsp-editais-e-leiloes-05-05-2014-pg-376… mas nada de desdobramentos posteriores :(

    Well, saiba que ganhou uma leitora!
    Até mais,
    Amanda

    • Alexandre Giesbrecht disse:

      Obrigado, Amanda! Essa história deve estar-se arrastando até hoje. Possivelmente, é por isso que os funcionários que lá trabalham têm medo de falar.

  3. Marcelo Samir disse:

    Olá, Alexandre!

    No terceiro andar do Bella Center, funciona uma pequena escola de aula particular.

  4. sonia disse:

    gostaria de saber mais sobre Bella Center. Lembro na decada de 80 que era um predio com muitos empregados e clientes.

  5. camila disse:

    Essa tristeza da arquitetura moderna fica bem em frente a todas as minhas janelas. Moro aqui a um ano e meio e nunca descobri o que tem nesse prédio – e, como engenheira civil, fico me perguntando por que raios esse prédio tem tantos erros… A fachada já está tomada por pichações e pelas plantas trepadeiras que crescem e, aparentemente, a anos não são cortadas. Gostaria de saber porque o restante do prédio não é utilizado… algum embargo? No mais, muito interessante a publicação, sou obrigada a olhar para este prédio basicamente o dia todo e não tinha ideia das informações que encontrei aqui!

  6. Mari disse:

    Minha mãe foi uma das primeiras pessoas a compra um titulo do “Bella Center”na década de 60. Lembro que quando comprou estava super animada. A ideia era boa, mas o prédio nunca passou desse terceiro andar onde existem esses cabeleireiro. O restante do prédio nunca foi acabado. Minha mãe frequentou por anos a “sede” do clube, mas somente para fazer yoga, com a legendaria professora de yoga Celeste (falecida há alguns anos). O clube assim como o prédio sempre foram um engodo. Lembro de ir com minha mãe nos anos 60 ou 70 nas aulas de yoga. Sentia arrepios so’ de entrar no edifício que sempre esteve em condições precárias e sombrias. Não sei como nunca foi demolido.

  7. MARGARETH disse:

    Eu trabalhei no Bella Center no ano de 1980…Era Telemarketing…vendíamos títulos do Instituto de Beleza Bella Center…e meu chefe era o próprio Eduardo Lutfalla…irmão da Sílvia Maluf…mulher de Paulo Maluf

  8. Brisa Almeida disse:

    Moro na Alameda Franca desde janeiro de 2017, e tenho esse trambolho estranho como companhia em minhas visões de janela e varanda… Eis que em novembro de 2017, eu e meu então namorado fomos chamados para um “casting” presencial de modelos para uma campanha publicitária, para a marca Natura. Estranhei quando me passaram o endereço do local do casting, pois a numeração indicava ser muito perto de minha casa, e eu não conhecia nenhuma agência ali. Quando chegamos ao local fiquei perplexa, entramos pelo portão pequeno e discreto da lateral e ali naquele espaço pequeno térreo – o qual eu observava ter algum
    movimento diário pela visão que tinha da minha varanda e janela, mas não fazia ideia do que poderia ser – funcionava uma produtora/agência de modelos. Veja só, descobri isso somente indo até lá pra um teste, e quão grande foi minha surpresa quando lá cheguei e vi minha varanda, dali! Este portãozinho discreto costuma estar fechado, pelo menos está fechado sempre que passo por ele. Como nunca mais voltei lá, não sei dizer se ainda é uma agência/produtora, ou se apenas locam aquele espacinho para atividades diversas, pois de uns meses pra cá tenho visto luzes acesas e movimento de pessoas ali serem infrequentes… E o prédio em si, creio ser só uma bizarrice abandonada dos Jardins, pois não há nenhum sinal de vida em nenhum dos andares (ao menos aos do lado visível a mim) em todos estes mais de três anos que moro aqui, tendo de olhá-lo todos os dias.
    Grata pela informação, sempre fiquei muito curiosa a respeito desse gigante de pedra que acompanha minha vida desde que vim viver aqui.

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *